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Release - por Zuza Homem de Mello

Há um marco proeminente na música popular brasileira da última quarta parte deste século:ascensão do regionalismo no eixo Rio-São Paulo. Em grupos ou isoladamente, baianos, pernambucanos, paraíbanos e cearenses saíram de seus estados para fixar carreira no sul, conseguindo ainda se projetar em outros estados, ou seja atingiram o estágio de uma nacionalização do regional.Afora alguns alagoanos e paraenses que também vieram, o grupo dos maranhenses, embora restrito, tem ainda assim dado uma valiosa contribuição nos últimos anos.

Artistas como Zeca Baleiro e Rita Benneditto, na rota inaugurada por João do Vale e desenvolvida entre outros por Alcione, provocam nossa curiosidade em conhecer melhor o que se passa na música e na arte de seu estado.Referências a danças e festanças, novos rítmos ou novas levadas e até mesmo instrumentos próprios nos chegam através deles, como ocorre neste segundo CD de Rita. Sua vivência com a música de rua, com o ambiente sonoro e colorido dos costumes tradicionais de São Luis e cidades do interior do estado, são traduzidos em parte das músicas do disco. A outra parte, digamos a menos maranhense, é explicada pela sua convivência com manifestações de outras regiões - afro, paulistas ou caribenhas - perfeitamente justificáveis quando se trata de uma artista diligente, inquieta e sabedora do que quer.Rita Benneditto está entre o que de melhor surgiu nestes anos de música no Brasil. Fiquei encantado com a maturidade de seu primeiro disco, canta com uma clareza e veracidade admiráveis, e expressando sua natureza feminina com o desejável equílibrio entre as frases das palavras e as frases das notas musicais.

Ela não mostra afetação nem a mínima tendência nessa direção, um gravíssimo vício que parece obcecar as bobocas imitadoras das falsas soul singers, nada mais que branquelas tentando inutilmente se amarronzar.

Tampouco se preocupa em demonstrar um despropositado e frenético transe rítmico fora de hora. Muito pelo contrário, Rita paira leve e com swing decolando e aterrisando sem esforço nos momentos certos. Disso resulta a expressividade da sua interpretação, ou seja a capacidade dela transmitir a essência da canção sem se sobrepor à obra mais sabendo imprimir sua personalidade ao que canta. Em geral são poucas as grandes cantoras que chegam a tal ponto antes de atingir o estágio de amadurecimento da mulher, Rita é exceção, ainda queno Brasil tenha havido uma benfazeja leva de boas revelações na área feminina. Rita Benneditto também não se mostra cantora de um gênero ou estilo.

Não é obrigatoriamente uma forrozeira ou reggueira. Seu repertório abriga um samba tradicionalque faz parte de uma festividade popular, o Lelê de São Simão, original dessa cidade do interior do Maranhão que atinge o ponto culminante no ritual denominado "Pela Porco", onde a carne do animal é saboreada ao som de pandeiro, violão de 7 cordas, cavaquinho e... castanholas. É o Samba Cheiroso do compositor octogenário Antonio Vieira.Com a mesma franqueza canta Jamais estive tão segura de mim mesma uma canção abolerada das primeiras composições de Raul Seixas, quando ainda era o Raulzito, gravada por Núbia Lafayette, uma das vozes que Rita celebra desde a juventude, caso de Márcio Greyck e do rei Reginaldo Rossi. A propósito, sua juventude teve antecedentes no coral da escola e a música que cantou em seu primeiro ensaio foi Mana Chica, uma cantiga de bailado dos escravos do século XVIII, também anexada ao repertório.Rita, que tem o pé nos terreiros de São Luis, presta uma homenagema duas outras cantoras dessa mesma procedência, Clara Nunes e Clementina, em Na Gira,uma envlvente levada dançante com um subliminar cordão umbilical ao rítmo africano. Também dançantes, mas em outras áreas, estão o bolero de seu conterrâneo Zeca Baleiro, Mambo da dor e o reggae Pérolas aos povos da artista plástica pernambucana Isla Jay. Em contraposição ao lado dançante do CD, há bonitas canções mais lentas: uma candidata a "hit" na linha dafase "Beatles com quarteto de cordas", composta por Chico César (Pensar em você). Há Mulheres, da paulista de Cardoso Vania Borges, e Muzak, outra do Zeca.Neste ponto cabe destacar a atuação do arranjador Mário Manga neste CD.

Ao decidir cercar-se dele neste fundamental aspecto de seu segundo trabalho, Rita confirmou que prossegue firme na carreira tão madura quanto despontou, Mário tem mostrado criatividade e respeito nos trabalhos que se envolve, e não existe desapontamento maior para um cantor quanto constatar, anos depois, o equívoco cometido por um arranjador pretensioso capaz de destruir uma boa canção. Deve-se ainda mencionar entre as faixas do CD Pérolas aos Povos, que Filhos da Precisão é um reggae que Rita conheceu na cidade de Imperatriz e passa a aspirar tornar-se "pedra de responsa" nas casas da Jamaica brasileira, que é São Luis. Que Déjà Vu é de uma compositora argentina que compõe inspirada na sua admiração pela música brasileira; que Vendedor de Bananas resulta da admiração de Rita pelo LP "10 anos depois" do grande Jorge Ben; e que Eclipse em meia lua foi ouvida no Festival de Avaré há anos atrás (quando era bom).Resta dizer que este novo CD de Rita chega num momento em que a música popular brasileira está, pode-se dizer, na berlinda. Vocês sabem bem a que estou me referindo. Ouvir uma cantora como RitaRibeiro nos dá uma garantia, a de que temos mais uma grande artista brasileira para o século XXI.


por Rita Benneditto

Aos devotos de todos os santos e encantos eu aviso que e me apresento com Mana Chica, que é puro molho.

Vendo bananas para quem quiser bananas, vendo na feira, na ribeira, nas estrelas em todos os cantos, como "Pérolas aos Povos" e ponho fogo na lenha da música da musa, música da inspiração de Mulheres que se pintam para o Deus louvar e, por prazer a prata derramar.

O mambo da dor lamenta o déjà vu da mediocridade e recomenda o banho cheiroso prá acabar com a coíra, ziquizira e o corpo ficar cheiroso em pleno eclipse em meia lua ao som de muzak.

Jamais estive tão segura de mim mesma e por isso TÔ NA GIRA, porque a terra é redonda e é pra girar.